Morar fora muda tudo — a rotina, o idioma, o clima e, claro, a vida financeira.
Mas um detalhe que muita gente esquece é que, mesmo morando há anos em outro país, o Brasil continua te considerando residente fiscal até que você diga oficialmente o contrário.
E é aí que nasce a confusão: cobrança dupla de imposto, bloqueio de conta, exigência de declaração de IR…
A boa notícia? Você pode regularizar isso facilmente, sem precisar de advogado nem contador.
Basta fazer a chamada Saída Definitiva do País, um procedimento online que informa à Receita Federal que você agora vive no exterior e não precisa mais declarar rendimentos do mundo todo no Brasil.
Se você vive em Portugal (ou qualquer outro país) há mais de 12 meses consecutivos, ou saiu do Brasil sem data pra voltar, este guia é pra você.
Abaixo, te explico o passo a passo completo, com base nas orientações oficiais da Receita Federal do Brasil e do portal gov.br, pra você fazer tudo com segurança e sem burocracia.
1. Por que fazê-la
Quando você deixa o Brasil para residir no exterior em caráter permanente, ou fica mais de 12 meses consecutivos fora do país sem voltar, passa a ser considerado “não residente fiscal” no Brasil. (Serviços e Informações do Brasil)
Se não comunicar formalmente essa mudança, a Receita continuará considerando-o como residente fiscal, o que significa que você precisará declarar no Brasil seus rendimentos mundiais, e corre risco de dupla tributação. (Brasil Tax)
Formalizar a mudança ajuda a:
- evitar que o Brasil tribute e solicite declaração sobre rendimentos de fora;
- tornar a sua situação fiscal mais clara e organizada.
2. Quais são os dois passos principais
2.1 Comunicação de Saída Definitiva do País (CSDP)
- Serviço oficial da Receita para “avisar” que você está saindo em caráter definitivo ou passou à condição de não residente. (Serviços e Informações do Brasil)
- Prazo: deve ser feita a partir da data da saída ou da caracterização da condição de não residente, e até o último dia de fevereiro do ano-calendário subsequente. (CSDP Receita)
- No preenchimento, informa dados como CPF, data da saída, país de destino, se há dependentes, etc. (CSDP Receita)
2.2 Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP)
- É a sua última declaração de IR como residente, correspondente ao ano‐calendário da saída ou da caracterização da condição de não residente. (Serviços e Informações do Brasil)
- Deve ser enviada no prazo normal da declaração de IR no ano seguinte à saída. (CSDP Receita)
- Nela você declara todos os seus bens, rendimentos e direitos até a data da saída, e marca que é “Declaração de Saída Definitiva”. (Câmara Brasil-Estados Unidos da Flórida)
3. Quem está obrigado a fazer
- Quem “reside no Brasil em caráter permanente” e vai passar a residir fora ou já está fora há mais de 12 meses consecutivos. (Serviços e Informações do Brasil)
- Mesmo que você nunca tenha declarado IR antes (por exemplo: só estudou, não teve rendimentos tributáveis), se era residente fiscal e passa à condição de não residente, o procedimento se aplica. (Brasil Tax)
4. Prazos importantes
- CSDP: até o último dia de fevereiro do ano seguinte à sua saída ou à caracterização da condição de não residente. (CSDP Receita)
- DSDP: dentro do prazo da declaração de IR anual para o ano da saída (geralmente até o fim de abril/maio do ano seguinte). (Serviços e Informações do Brasil)
5. Como fazer na prática
5.1 CSDP
- Acesse o serviço “Comunicar Saída Definitiva do País” no site do gov.br. (Serviços e Informações do Brasil)
- Preencha os campos: CPF, data da saída, país de destino, etc. Marque o termo de responsabilidade. (CSDP Receita)
- Transmita e salve o comprovante.
5.2 DSDP
- Baixe o programa da IRPF ou use o sistema online da Receita. (Serviços e Informações do Brasil)
- No preenchimento, selecione “Declaração de Saída Definitiva do País” como tipo de declaração. Informe a data de saída e todos bens/ direitos até essa data. (Brasil Tax)
- Transmita, pague o imposto se houver apurado e guarde o recibo.
6. O que muda depois de você fazer
- A partir da data da saída, a Receita passa a considerar você como “não residente” no Brasil. (Serviços e Informações do Brasil)
- Você deixa de declarar IR sobre rendimentos do exterior (desde que o país de residência os tribute) — no Brasil você fica tributado apenas por rendimentos de fonte brasileira.
- Se você mantiver bens, contas ou rendimentos no Brasil, esses devem ser declarados como não residente conforme normas específicas.
💸 Tributação do não residente
Depois que você faz a saída definitiva do Brasil, a Receita Federal passa a te considerar “não residente fiscal” — ou seja, você só paga imposto no Brasil sobre rendimentos que ainda vêm de lá (como aluguel, investimentos ou venda de imóveis).
Tudo o que for ganho em Portugal (ou em outro país onde você mora de fato) deixa de ser tributado no Brasil, e passa a ser tributado apenas onde você reside.
👉 Fonte oficial: Receita Federal – Tributação do não residente
🏠 Aluguel de imóveis no Brasil
Quem mora fora e recebe aluguel de um imóvel situado no Brasil paga 15% de Imposto de Renda sobre o valor bruto recebido, retido na fonte.
Essa é a alíquota geral para rendimentos pagos a não residentes, conforme a Instrução Normativa SRF nº 208/2002.
A alíquota de 25% só se aplica a quem mora em “país com tributação favorecida” (paraísos fiscais), o que não é o caso de Portugal.
💼 Serviços, consultorias e rendimentos de trabalho pagos do Brasil
Se você presta algum serviço para uma empresa brasileira, mesmo morando fora, o imposto também é retido na fonte, com alíquota de 25%. Essa alíquota é mais alta porque se aplica a rendimentos de trabalho ou prestação de serviços.
Mas vale lembrar: se o trabalho é realizado fisicamente em Portugal, o acordo entre Brasil e Portugal pode evitar a bitributação — o imposto é devido apenas no país onde o serviço foi prestado.
💰 Investimentos, juros e dividendos
Lucros, juros e aplicações financeiras pagas por empresas ou bancos brasileiros para não residentes têm alíquotas que variam de 15% a 25%, dependendo do tipo de investimento.
Esses valores são retidos na fonte e encerram a tributação no Brasil (não é preciso fazer nova declaração).
Mas atenção que se você mora em Portugal, as alíquotas de imposto pra esse tipo de ganho financeiro são bem superiores e os valores devem ser declarados no IRS e paga a diferença a mais.
🏘️ Venda de bens no Brasil (ganho de capital)
Ao vender um imóvel, carro ou outro bem no Brasil, mesmo morando fora, o ganho de capital (lucro da venda) continua tributado com alíquota de 15%, assim como ocorre para residentes.
Fonte: Receita Federal – DSDP: Tributação
🤝 Acordo de não bitributação Brasil–Portugal
O Brasil e Portugal têm um acordo para evitar a dupla tributação, o que significa que você não paga imposto integralmente nos dois países sobre o mesmo rendimento.
Se um imposto já foi pago em um dos países, ele pode ser deduzido ou compensado no outro.
👉 Base legal: Decreto-Lei n.º 244/71, de 2 de junho – Acordo Brasil–Portugal e Decreto nº 4.012, de 13 de novembro de 2001
Na prática:
- Se você trabalha e é tributada em Portugal, o Brasil não deve cobrar de novo sobre essa renda, apenas sobre o excedente de tributação, caso a alíquota brasileira seja superior a de Portugal.
- Mas se ainda for considerada residente fiscal no Brasil, o país pode tentar tributar novamente — e aí você precisa comprovar e compensar o imposto pago em Portugal, o que é burocrático e pode gerar diferença de alíquotas.
Veja aqui um artigo exclusivo sobre o Acordo para Evitar a Dupla Tributação entre Brasil e Portugal.
7. Pontos de atenção / riscos
- Se você não fizer a CSDP ou DSDP nos prazos, continuará sendo considerado residente fiscal no Brasil. Isso pode gerar:
- obrigação de declarar IR como residente;
- risco de bitributação (Brasil + país onde mora) sobre rendimentos. (Brasil Tax)
- Mesmo após sair, se você mantiver contas bancárias, imóveis ou investimentos no Brasil, verifique as obrigações de não residente (tributação, retenção na fonte, etc.).
- Guarde os comprovantes: data de saída, residência no exterior, envio da comunicação e declaração.
- Caso tenha saído há anos sem comunicar, é possível fazer de forma retroativa, mas verifique multas e cautelas. (JusBrasil)
Atenção que se saiu do Brasil a muitos anos, por exemplo, a mais de 20 anos, e nunca fez a Comunicação de Saída Definitiva pode fazer hoje, porém a Receita Federal somente calcula retroagindo até 5 anos. Assim, caso tenha saído 2001, e somente realize em 2021 a Comunicação de Saída Definitiva, a Receita Federal calcula a multa a partir de 2016. (JusBrasil)
8. Exemplo simplificado
Suponha que você saiu do Brasil em agosto 2024 para residir em Portugal com residência definitiva.
- Até 28 fev 2025 (ou última dia de fevereiro de 2025) você deve fazer a CSDP.
- Em 2025, na declaração que normalmente faz sobre o ano-calendário 2024, você faz a DSDP informando que a data de saída foi agosto 2024 e declara rendimentos e bens até aquela data.
- A partir da data de agosto 2024, seus rendimentos no exterior não precisam mais ser incluídos na declaração de IR no Brasil (após a formalização de não residência).
9. Quando pode valer chamar um profissional
Se você tiver:
- grandes bens ou investimentos no Brasil ou no exterior;
- empresa no Brasil ou participações societárias;
- rendimentos relevantes ou operações complexas de câmbio;
Nesse caso, um contador ou advogado especializado em tributação internacional pode ajudar a evitar erros, otimizar a data de saída e minimizar custos fiscais.
10. Quando a saída fiscal realmente vale a pena
Mesmo com o acordo para evitar a Dupla Tributação, a saída definitiva costuma ser vantajosa pra quem já vive e trabalha em Portugal por três motivos:
- Evita declarações duplas e complicações com a Receita brasileira, já que Portugal passa a ser seu único país de residência fiscal.
- Em Portugal, quase toda renda do trabalho é tributável, e as faixas de isenção são bem menores que no Brasil — com a conversão cambial, quase qualquer salário português já ultrapassa os limites de isenção brasileiros.
- Assim, mesmo com o acordo, quem continua sendo considerado residente no Brasil pode acabar pagando diferença de imposto, já que a Receita exige complementar o que faltar até a alíquota brasileira.
Por isso, formalizar a saída fiscal ajuda a evitar bitributação e garante que sua renda em Portugal seja tributada apenas lá — como deve ser.
11. Fontes para consulta
- Portal gov.br – serviço “Comunicar Saída Definitiva do País”. (Serviços e Informações do Brasil)
- Portal gov.br – “Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP)”. (Serviços e Informações do Brasil)
- Instruções e orientações oficiais da Receita Federal. (CSDP Receita)
- Artigos explicativos que reforçam prazos, obrigações e riscos. (JusBrasil)
- Receita Federal – Tributação do Não Residente
- Instrução Normativa SRF nº 208/2002





