Vozes silenciadas: Síndrome de Down, aborto e o desafio da inclusão em Portugal e no mundo

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Vozes silenciadas: Síndrome de Down, aborto e o desafio da inclusão em Portugal e no mundo

Tudo começou com um café…

Outro dia compartilhei nos stories a chegada do Café Joyeux ao Porto, um espaço que emprega pessoas com deficiência intelectual e promove inclusão de verdade. Entre as mensagens que recebi, uma seguidora me contou algo que me fez parar para pensar: “Quase não vemos pessoas com Síndrome de Down nas ruas em Portugal.”

Ela dividiu sua história pessoal, marcada por pressão médica durante a gravidez.

Resolvi entrar nesse assunto em um story seguinte e a partir daí, minha caixa de mensagens se encheu de relatos parecidos. Todas as imagens com fundo preto, são as mensagens que recebi.

E eu percebi que esse tema não podia ficar restrito às 24h de um story. Precisava virar reflexão mais profunda e permanente.


O que dizem os números

O cenário em Portugal é alarmante:

  • Estudos indicam que cerca de 95% das gestações diagnosticadas com Síndrome de Down são interrompidas.
  • Estatísticas oficiais apontam que 2,8% dos abortos feitos no país têm como motivo deficiências ou doenças graves do feto.

Mas não que isso seja um número otimista, apenas mostra que a interrupção da gravidez por opção da mulher (sem indicação de doenças, sem casos de risco de morte da mãe ou fetal, sem caso de abuso sexual, apenas OPÇÃO MESMO!) nas primeiras 10 semanas de gravidez, se mantém como o principal motivo em todas as idades, representando 96,7% do total de abortos.

Na Europa, a realidade é parecida ou até mais radical:

  • Na Dinamarca e na Islândia, as taxas de aborto por possibilidade de deficiência chegam a quase 100% após diagnóstico.
  • Na França, gira em torno de 77%.
  • Na Espanha, varia de 83% a 97%.

O impacto demográfico é visível. Hoje, estima-se que vivam 419 mil pessoas com Síndrome de Down na Europa. Se não houvesse abortos seletivos após diagnóstico, esse número seria de 574 mil. Estamos falando de mais de 150 mil vidas a menos, apenas por não serem consideradas “perfeitas”.

Ainda sobre aborto por opção

A lei permite aborto até às 10 semanas por opção da mulher, e até 24 semanas em casos de anomalia fetal grave.

Em relação às idades em que são feitas as interrupções da gravidez, a DGS revelou que “o grupo etário que registou maior número absoluto foi dos 20-24 anos de idade”. A seguir surgem mulheres com idades entre os 25 e os 29 anos e 8,4% das IVG foram realizadas por mulheres com menos de 20 anos.

Cerca de 90% das mulheres que realizaram IVG “escolheram, posteriormente, um método contracetivo”, ou seja, apenas depois de abortar, o que pode demonstrar uma falha na prevenção, que gera o número tão significativo de abortos por opção.

Minha experiencia pessoal:

Na minha primeira gestação, que infelizmente acabei por perder pois parou de evoluir, fui a primeira consulta no médico e a primeira frase dita foi: Quer prosseguir ou interromper? Como quem oferece vinho ou água.

A pressão sobre a gestante

Os relatos que recebi são dolorosos.

  • Mulheres que, ao engravidarem após os 40 anos, ouviram de médicos que deveriam “já considerar a interrupção” apenas pela idade.
  • Casos em que uma suspeita mínima, como o formato do nariz do bebê, foi suficiente para encaminhamento direto a um aborto.
  • E mães que decidiram continuar a gravidez e sentiram olhares de julgamento, como se estivessem “indo contra o bom senso”.

É justo uma mãe ou pai serem julgados por médicos, amigos e familiares por escolher deixar um filho nascer?

A questão mais cruel é que, muitas vezes, a pressão vem antes de haver certeza. O aborto é incentivado já na fase de suspeita, quando o exame sequer confirmou o diagnóstico.

O diagnóstico de trissomia 21 em Portugal, na prática, é uma sentença de morte.

E vários relatos que recebi de mães encaminhadas ao aborto por suspeita de “imperfeições”, deram à luz filhos perfeitamente saudáveis, pois decidiram tê-los e ama-los independente de como viessem.

Relato de uma seguidora que foi orientada a abortar pois teria 40 anos na altura do parto, mesmo sem pré diagnóstico algum de doença ou complicações, apenas pelo simples fato de que nessa idade a probabilidade é um pouco maior do que antes de 40 anos de idade.

Mais um relato de orientação ao aborto sem diagnóstico algum.

Um PODERIA baseado no tamanho do nariz se tornou uma indicação ao aborto.

Mas uma criança quase sentenciada a morte por suspeita não confirmada.

Depois de ler relatos assim, imagino quantas pequenas crianças pela Europa, EUA e outros países, com anomalias ou não, foram sentenciadas a morte, baseado em diagnósticos falhos, probabilidades incertas ou até mesmo confirmadas, mas que não as tornavam menos humanas ou dignas de viver.


A pergunta que não quer calar

Se é aceitável interromper a vida de um bebê com trissomia 21, por que não também a de uma criança diagnosticada com autismo — que em muitos casos pode trazer limitações ainda maiores?

Relato de uma mãe que viveu a suspeita de anomalia, a pressão pelo aborto. Por fim, a criança nasceu sem anomalias, com a mãe se negando a fazer um exame pra comprovação que poderia ser nocivo ao bebê ainda no ventre. A gestação quase foi interrompida à toa.

O que diferencia a trissomia 21 de outras deficiências auditivas, motoras, cognitivas ou visuais? Apenas o fato de poder ser detectada antes de nossos olhos poderem ver a criança? Pois coração já há, e dor já sente, assim como uma já nascida. Qual a diferença dela pra uma já nascida?

  • Quais seriam os motivos do aconselhamento a interrupção dessa gravidez? O “problema” que a criança seria? Ou pela baixa probabilidade de se tornar um pagador de impostos?
  • Será que sentença de interrupção dessa vida é dada pois ela não será muito útil na sociedade e no mercado de trabalho?
  • Em que momento passamos a decidir que o direito à vida deve estar condicionado à utilidade social ou autonomia de alguém?
  • Não nascemos para ser apenas mão de obra ou engrenagens produtivas. Nascemos para amar, sonhar, criar laços, e isso as pessoas com Down, com autismo ou com qualquer tipo de deficiência, são.

A eliminação de pessoas com trissomia 21 é tão grande na Europa que muitos nem sabem o que é.

É aqui que a palavra eugenia volta a assombrar. Quem define o que é “perfeito o suficiente” para nascer?


O outro lado da história: vidas que florescem

Pergunte a qualquer família que convive com alguém com deficiência se teria preferido que essa pessoa não tivesse nascido. A resposta quase nunca será “sim”.

Falo com propriedade: na minha família também existe alguém especial — menos autónomo até do que muitas pessoas com Síndrome de Down — que foi cuidado exclusivamente pela minha mãe, comigo e com o meu irmão, até à nossa adolescência.

Foi um caminho pesado e trabalhoso, sobretudo porque ela queria oferecer sempre o melhor dentro das suas limitações. No Brasil, porém, a falta de apoio e de instituições capazes de acolhê-lo para estudar ou realizar atividades fazia com que ele ficasse apenas em casa. Ainda assim, em nenhum momento a minha mãe cogitou que teria sido melhor ele nunca ter existido.

Em Portugal não é obrigatório abortar, mas há realmente uma pressão médica para a interrupção nesses casos. Não poderia haver o suporte pra quem deseja receber e amar um filho diferente também?

Não é uma prática exclusiva de Portugal, e sim de vários países “desenvolvidos”, como vemos nesse relato.
A criança quase foi assassinada no ventre e era um bebê super saudável e sem anomalias.

Tem ideia do peso que seria se a mãe não escolhesse pela vida? MESMO que Ana Julia viesse com Down, não deixaria de ser um ser humano.

Pessoas com Síndrome de Down trabalham, estudam, namoram, se casam, constroem amizades. Não vivem uma vida “pela metade”. Vivem a vida inteira, com todas as cores e formas possíveis.

Em Portugal, iniciativas como a MAPADI (na Póvoa de Varzim) e o próprio Café Joyeux mostram que a sociedade só tem a ganhar quando abre espaço para inclusão. Essas pessoas não precisam de pena; precisam de oportunidades de viver uma vida como qualquer outra pessoa que também tem imperfeições.


O caminho mais digno

Em vez de eliminar vidas, o caminho mais humano e digno poderia ser investir em apoio real às famílias.

  • Campanhas de informação que mostrem a realidade, e não apenas os medos.
  • Campanhas para redução dos preconceitos com essas famílias que optam por não matar essas crianças.
  • Políticas públicas que deem suporte psicológico e financeiro.
  • Projetos inclusivos em empresas e escolas.

O verdadeiro progresso não está em escolher quem vive e quem não vive, mas em garantir que cada vida floresça com dignidade e suas diferenças.


Conclusão: dar voz a quem não pode falar

As mensagens que recebi não são apenas estatísticas. São vozes de mães, pais e famílias que enfrentaram a dor de serem pressionados a decidir pelo fim de uma vida.

Escrevo este artigo para dar voz a quem não teve chance de falar: os bebês que não puderam escolher viver.

Cada pessoa carrega sonhos, amores e imperfeições — como todos nós. Que possamos construir uma sociedade que celebre a diferença, em vez de eliminá-la.

Não estou aqui para ditar escolhas a nenhum pai ou mãe. O que peço é que os que decidem pela vida recebam o mesmo acolhimento, respeito e apoio que aqueles que optam pela interrupção. Que não sejam tratados com indiferença ou com a frase cruel: “foi você que escolheu.”

Afinal, há quem enxergue apenas células, e há quem enxergue almas. Há quem valorize uma perfeição inexistente, e há quem valorize a beleza da vida em todas as suas formas.

E eu te deixo um desafio!
Na próxima vez que você cruzar com uma família que tem uma criança ou adulto com trissomia 21 — ou qualquer outra diferença — troque o olhar de julgamento ou de pena por um de admiração.

Escolher criar um filho já é, por si só, um ato de negar o egoísmo. E escolher acolher um filho especial… é um ato ainda maior de amor e coragem.

Eles poderiam ter escolhido desistir, mas escolheram abraçar a vida — com todas as suas dificuldades e, sobretudo, com todas as suas riquezas.


👉 IngridDica: Apoie projetos inclusivos perto de você. Se tiver oportunidade, visite e apoie o Café Joyeux ou conheça iniciativas como a MAPADI, o MADI, ALADI, Vida Norte e todas que postamos na lista ao final desse artigo. Pequenas escolhas também mudam o mundo.


💡 Como apoiar na prática

  • ✅ Em alguns casos, multas de trânsito ou contraordenações podem ser revertidas em doações a instituições como MAPADI, APPACDM, CERCI (mediante decisão judicial ou administrativa). Saiba mais aqui ou veja este exemplo da Cruz Vermelha.
  • ✅ No IRS, pode destinar 1% do seu imposto para a instituição da sua escolha, sem pagar nada a mais — basta indicar o NIF da entidade no campo “Consignação do IRS”. Ver no site do Governo ou explicação prática aqui.
  • ✅ Também pode apoiar diretamente através de doações, voluntariado ou consumindo em espaços inclusivos como o Café Joyeux. Conheça o Café Joyeux.

Entidades de apoio a pessoas com deficiência / Síndrome de Down em Portugal

NomeLocalização / âmbitoExplicação / serviços principais
Pais21 – Down PortugalNacionalAssociação criada por famílias, apoia pais e pessoas com trissomia 21. Trabalha inclusão, profissionalização, sensibilização social e combate ao preconceito.
APPT21 – Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21Lisboa / NacionalRepresenta pessoas com Síndrome de Down, oferece apoio psicológico, acompanhamento e promove a integração social.
Amar 21 – Associação de Apoio à Trissomia 21Barcelos (Norte) / LocalDá suporte a famílias com filhos com trissomia 21. Desenvolve projetos de terapias, atividades inclusivas e de sensibilização.
MAPADI – Movimento de Apoio de Pais e Amigos ao Diminuído IntelectualPóvoa de Varzim (Norte)Instituição de referência no norte de Portugal. Tem centro de atividades ocupacionais, residências, programas de integração profissional e inclusão comunitária.
MADI – Movimento de Apoio ao Diminuído IntelectualMaia (Norte)Trabalha com pessoas com deficiência intelectual, com respostas sociais como centro de atividades, formação, lares residenciais e integração no trabalho.
ALADI – Associação Lavrense de Apoio ao Diminuído IntelectualLavra, Matosinhos (Norte)Apoio a pessoas com deficiência intelectual. Tem programas educativos, ocupacionais e sociais para integração comunitária.
APD – Associação Portuguesa de DeficientesNacionalMaior associação de representação política e social das pessoas com deficiência. Atua em acessibilidade, direitos, apoio jurídico e integração social.
APPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente MentalNacional (várias delegações locais)Rede de associações locais com serviços de educação especial, formação, centros ocupacionais, lares e apoio às famílias.
CERCI – Cooperativas de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidades (ligadas à FENACERCI)Nacional (rede local)Cooperativas em vários concelhos do país. Oferecem educação especial, reabilitação, atividades ocupacionais, residências e inserção laboral.
CAID – Cooperativa de Apoio à Integração do DeficienteSanto Tirso (Norte)Trabalha a integração social e profissional de pessoas com deficiência intelectual. Tem centro de atividades, formação e lares.
Cedema – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Mentais AdultosLisboa / NacionalApoio a adultos com deficiência mental e suas famílias. Oferece reabilitação, inclusão social e respostas residenciais.
Humanitas – Federação Portuguesa para a Deficiência MentalNacionalFederação que articula várias instituições ligadas à deficiência intelectual em Portugal, promovendo políticas públicas e boas práticas.
Elo SocialLisboa (âmbito nacional)Apoio à integração de jovens e adultos com deficiência mental. Mantém atividades ocupacionais, residências e programas de emprego protegido.
Centro de Apoio a Deficientes João Paulo IIFátima (Centro)Unidade da União das Misericórdias Portuguesas que acolhe e apoia pessoas com deficiência profunda, oferecendo cuidados especializados.
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Já passei por mais de 40 países e hoje sou nômade digital, trabalho de qualquer lugar do mundo, mas escolhi o Porto como lar.

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